quinta-feira, janeiro 19, 2006

Rotina de um qualquer pensionista

82 anos, português, reformado. Este pensionista vagueia tristemente de terra em terra, procurando com quem se identificar ou talvez, alguém que o identifique. Com sérios preocupantes de memória, o nosso homem não sabe quem é, o que anda a fazer e porque raio tem gente a acompanhá-lo. Não se lembra de nada. Mentira! Sobra-lhe uma última memória, vaga mas persistente: há um fulano que o irrita solenemente, que o assusta, que lhe provoca suores incómodos. Não se lembra bem porquê, nem sequer quem é o sujeito em causa. Num (raro) acesso de memória lembra-se, um tal de Aníbal! Regozija-se por se lembrar do nome. Recosta-se na poltrona do confortável quarto onde está instalado questionando-se sobre o porquê de tanta irritação. Raios - exclama - não se lembra! Batem-lhe à porta. Sr. Doutor, são horas da palestra - informa-o uns dos estranhos que o costuma acompanhar. "Doutor", "Palestra"...tudo conceitos que lhe soam estranhamente familiares. Palestra? Com quem? E porquê? É arrastado por uma equipe de pessoas que o incentivam, alguns até lhe dão palmadinhas nas costas.
Quando dá por isso, encontra-se frente a uma multidão de máquina fotográfica apontada p'ra ele, munida de blocos de notas e gravadores. Pedem-lhe que dê inicío à sessão, que fale. Sobre quê? - pensa. A única coisa que lhe vem à cabeça é o tal Aníbal, o irritante Aníbal. Imediatamente solta um chorrilho de impropérios acerca do dito cujo. Aplaudem-no de pé. -alguém atira do meio da multidão. Sr. Doutor, o que acha do caso das escutas telefónicas? Não lhe parece uma perfeita injustiça? Sim - definitivamente a coisa soa-lhe mal - É preciso acabar com as escutas telefónicas! - diz, batendo estrondosamente com o punho na mesa, mostrando-se surpreendido por tal. Novo aplauso, pessoas levantam-se para lhe apertar a mão.
Correu bem
- diz o homem que há pouco o tinha chamado para a palestra. O nosso pensionista pergunta-lhe: Quem sou eu? O que faço aqui? O que se passa?. Ó Sr. Doutor, lá está o senhor outra vez na galhofa, saíu-me cá um prato. - é a resposta que ouve. Mandam-no descansar e dão-lhe o jornal para ler. Chegado ao quarto pára em frente ao grande espelho do hall de entrada. A imagem que lhe é devolvida é a de um homem a quem o tempo deixou claramente as suas marcas: rugas, sinais, olheiras, palidez, abatimento. Tudo isto lhe desagrada. Senta-se na poltrona e abre o jornal. Reconhece uma fotografia sua na página cinco. Lê-a com atenção e aprende que se chama Mário Soares e que é candidato à Presidência da República. Mas claro! Agora me lembro! - exclama. Recuperou a memória, lembra-se de tudo, quem é e o que anda a fazer. Deita-se, contente consigo próprio.

O despertador toca às 8:45 da manhã. Acorda assustado. O que faço aqui? Aliás, onde estou? Aliás, quem raio sou eu? - começa tudo de novo...o drama do pensionista.

4 comentários:

p disse...

AHAHAHAHAHAHHAAH, TÁ LINDO! TÁ GENIAL! parabens, continua :D *

M. disse...

e agora o que é que ele faz?!

AR disse...

Vá lá que nesse dia seguinte não tinha campanha eleitoral pra fazer... Menos mau.

Anónimo disse...

Miudo a tua tia deu-me agora o endereço do teu blog... parabens.... espero que mantenhas este teu sentido de humor tão apurado quando deixares a vida de estudante e tentares entrar no mundo do trabalho. Um Grande abraço do Rui.